Caderno 2

Por, Bairros de Maceió - 21/04/2018

A cor do céu mudou - Banda Dharma

O rock feito pela banda passa pelos conceitos de suas letras quase oníricas, pelo som com a força de suas ideias musicais e, porque, se o universo rock fosse um rio, o fluxo desse rio, também, seria Dharma

Publicado na quinta-feira 19, Caderno B do jornal Gazeta de Alagoas  - Por:  Mácleim

CÉU DE TEMPORÃO
 
          Se fosse um filho, o álbum A Cor do Céu Mudou, da banda Dharma, seria um filho temporão. Fisicamente, ele existe desde 2016, porém, só aconteceu depois de um hiato de doze anos após o lançamento do primeiro disco da banda em 2004. Tamanha hibernação parece ter sido favorável ao amadurecimento, pois, de acordo com os releases à época do lançamento, ocorreu uma mudança, sobretudo no que tange à sonoridade da banda, pelo ponto de vista da pegada rock and rool, que antes era mais crua, recheada de distorções, algo como new metal e grunge. Hoje, de volta à cena, eles preferem dizer que são simplesmente rock.

          O título do álbum revela um paradoxo em relação ao que acontece musicalmente ao longo de suas faixas. Se a cor do céu realmente muda em sua dinâmica própria e a sua forma tem essa dinâmica ainda mais acelerada pela mudança constante das nuvens, esse novo trabalho da Dharma não espelha este conceito ao pé da letra. Em sua maioria, as músicas são um tanto lineares melodicamente, quase monocromáticas, embora haja uma preocupação em arejar as levadas. Fato que demonstra a performance apurada do quarteto, mesmo que não cheguem a apontar novos rumos. Quero deixar bem claro que tal linearidade não significa necessariamente algo a ser reparado ou repensado; não é este o caso! Pelo contrário, até evidencia que o amadurecimento traz ao mesmo tempo a coerência como atributo do caminho percorrido.

          São onze faixas e mais duas faixas bônus. A primeira, que abre o disco, Ilusionismo (existe clipe no YouTube), tem na introdução apenas quatro compassos de um piano solo (Dinho Zampier) que, de tão lúdico e fugaz, deixa um gostinho de quero mais. O bom é que no fim do disco nos é ofertada na íntegra, em uma versão acústica, onde o piano comanda toda a base harmônica. A outra faixa bônus também é uma versão acústica da faixa três, Revoluções, que tem as participações simultâneas dos músicos convidados para este álbum: Bruno Tenório (violino), o onipresente Dinho Zampier (teclados) e a delicada e talentosa Miran Abs (violoncello). Vale ressaltar, que foi uma boa sacada criar faixas acústicas com a participação dos músicos convidados. Não apenas pelo valor agregado que esses músicos conferiram ao trabalho da Dharma, mas, especialmente, pela possibilidade de outra leitura para músicas que demonstraram sua força estética pelo viés minimalista dos arranjos acústicos.        

          O álbum, como um todo, revela uma preocupação evidente com o acabamento. A começar pelo belo trabalho fotográfico e projeto gráfico assinados, respectivamente, por Junior Lima e Bruno Clériston. O encarte tem fotos e montagens muito interessantes, com uma atmosfera do realismo fantástico, sempre tendo o céu como pano de fundo, em suas diversas nuances de formas e cores. Além disso, contém todas as informações necessárias a alguém como eu, que gosta de vasculhar cada detalhe, porque entende que tem nas mãos um projeto minimamente pensado, elaborado e concluído. Muito diferente dos retalhos avulsos, comumente encontrados no streaming das plataformas digitais. Tudo isso, não pode e nem deve ser irrelevante ao crítico ou fruidor atento e ciente da faina e do denodo implícito a qualquer obra de expressão artística posta em evidência.    

          A atual formação da Dharma traz Gustavo Guri dividindo os vocais e guitarras com Marcinkus Bandeira, Ricardo Aquino (baixo) e Wendell Lima (bateria). São esses os caras que, em A Cor do Céu Mudou, abordam, entre outros temas, o fanatismo de um modo geral, a esperança de um mundo melhor e algumas questões com frases do tipo: “Onde estão os mitos que eu criei? / Onde estão os vícios que eu deixei?”.  São eles que trazem influências do rock alternativo, do grunge e do heavy metal, para esse novo trabalho. Embora usem uma língua morta (sânscrito), para dar nome ao amálgama do rock que os uniu, certamente fizeram-no porque sabem que Dharma significa, literalmente, “aquilo que sustenta, que mantém.” Ou seja, é a força régia da existência, a essência verdadeira do que vive, a própria verdade. Por isso, o som da Dharma soa orgânico, em tempos de colagens e músicas processadas ao paroxismo da mediocridade.

          É claro que isso traz significados que balizam a vida humana e o devir pessoal. Se para tanto foi necessário um recolhimento de mais de uma década, afim de que pudessem chegar ao resultado encontrado em A Cor do Céu Mudou, é porque assim como o significado profundo do termo Dharma não está nas palavras, mas na experiência, na observação verdadeira e na compreensão, também o significado do rock feito pela banda passa pelos conceitos de suas letras quase oníricas, pelo som com a força de suas ideias musicais e, porque, se o universo rock fosse um rio, o fluxo desse rio, também, seria Dharma.

SERVIÇO
A Cor do Céu Mudou, Dharma
Disco físico: à venda no site bandadharma.com.br ou pelo fone (82) 99307-4580
Preço: R$ 20,00
Plataformas digitais: Spotify, Deezer e Google Play

Ouça o álbum com as letras das musicas AQUI

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Curiosidade

Treze vezes vencedor do prêmio Notáveis da Cultura Alagoana - Prêmio ESPIA.

"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.

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