Riacho Doce

Informações

Área: 10,09 Km²

População fonte IBGE: 5.218 hab. Censo 2010

Quantidade de logradouros: 26

Região Administrativa: 1

Crédito fotos: José Ademir

Mapa do bairro para download: Clique aqui

História

A terra do petróleo e das boleiras, na tela da TV 

Pesquisa e Texto: Jornalista Jair Barbosa Pimentel 

Imagine um cenário paradisíaco, um riacho de água doce se misturando com o mar, as cabanas dos pescadores, uma igrejinha secular, uma casa de farinha e um subsolo rico em petróleo. Pois nesse cenário, na década de 1930, o escritor paraibano, José Lins do Rego, encantado com toda beleza, escreveu Riacho Doce, um dos maiores best sallers do país, que levou a TV globo a produzir um seriado, ainda hoje na memória de milhares de brasileiros.
   Pouca coisa mudou de 60 anos para cá. A igrejinha de Nossa Senhora da Conceição continua preservada. A casa grande de Edson de Carvalho, o descobridor do petróleo, ainda está lá, intacta, embelezando a paisagem, e a casa da farinha das boleiras, é outra atração a parte. 
   Riacho Doce nasceu de um arraial de pescadores, que ninguém sabe dizer quando. Mas, antigo, é. E de mais de um século. Basta observar a arquitetura da igreja Nossa Senhora da Conceição. Sabe-se que sempre foi passagem obrigatória para quem saia da capital em demanda ao litoral Norte. A estrada servia de acesso, com uma ponte de madeira sobre o riacho doce.

   Todos os moradores antigos do distrito lamentam apenas o intenso movimento de veículos na pista principal. Mas, depois que colocaram os quebra-molas, os atropelamentos diminuíram. A rua principal, margeando a rodovia AL-101 Norte, tem casas de comércio, e residências antigas e novas. A praia é outra atração. E nos anos 60 e 70, se constituía no point da juventude maceioense, com o famoso Bar do Doquinha. 
   A praia é uma das mais bonitas do litoral alagoano, e sua beleza despertou o interasse de muitos, que começaram adquirir lotes e construir suas casas de veraneio. Hoje, alguns moram lá e trabalham na cidade. Nos fins de semana, o movimento é intenso nos bares e barracas improvisadas, enquanto as boleiras e vendedores de frutas, peixes e crustáceos faturam bem, garantindo o sustento da família. 
   Riacho Doce é tudo isso, e muito mais. É o típico lugarejo provinciano, que por mais modernidade que exista, seus moradores ainda conservam os velhos hábitos. Em dezembro, comemora-se a festa de sua padroeira, Nossa Senhora da Conceição. A igrejinha se enfeita para receber os fiéis, que rezam as nove noites e no dia exato, saem em procissão, com a imagem da Virgem Imaculada Conceição.


Zinga e Doquinha eram o point da juventude transviada de 70

 

Os quarentões e cinqüentões de hoje,(1996) não esquecem o Zinga Bar, a primeira boate com luz negra e musica mecânica de Maceió e Bar do Doquinha, que marcaram época no pacato distrito de Riacho Doce da segunda metade dos anos 60 até a primeira década de 70.
Freqüentar esses dois badalados pontos era obrigatório para quem viveu a juventude naquele tempo. Surgiu ainda a casa da Bahia, também no mesmo local, e muito freqüentado pelos jovens, que curtiam as músicas da Jovem Guarda e o puro rock, além do romantismo para dançar de rosto colado. 
   Quem não tinha carro, ia mesmo de ônibus, mas tinha que deixar amanhecer o dia para retornar. A rodovia asfaltada já existia, mas sem o intenso movimento de hoje. E Riacho Doce naquela época tinha a rua principal e a das boleiras, que sempre fizeram parte da cultura local, com seus beijus famosos em toda cidade. 
   No Bar do Doquinha, na Praça principal, reunia-se jovens da classe média para bater papo e saborear a cerveja gelada e os tira-gostos de frutos do mar, enquanto chegava a hora de curtir o resto da noite na pista de dança do Zinga Bar “coisa de cidade grande”, que começou a mudar o comportamento da juventude, acostumada que era os clubes sociais.

Edson de Carvalho: o descobridor do petróleo

   Os mais antigos moradores de Riacho Doce lembram saudosistas do Engenho Edson de Carvalho, um alagoano de Quebrangulo, que se fixou no povoado e sentiu que seu subsolo tinha muita riqueza. Utilizou seus conhecimentos de engenharia e começou a pesquisar, perfurando em um canto e noutro, até descobrir o petróleo.
   Dona Marlene de Oliveira lembra que no início dos anos 40, quando ainda era criança, já vivendo em Riacho Doce, existiam equipamentos de ferro, num local chamado “Barreiro”, que seus pais diziam existir petróleo descoberto pelo Dr. Edson de Carvalho. Com a descoberta, começaram a aparecer interessados, e o povoado a ser conhecido como a terra do petróleo. 
   Do ato dos seus 74 anos de idade, dona Elizabete de Morais é outra antiga moradora que lembra muito bem do descobridor do petróleo. Sua casa era muito visitada, inclusive por gente famosa como o escritor José Lins do Rego. Com a morte de sua esposa, ele desgostou-se, sentiu que estava sendo perseguido pelas multinacionais, e não tinha qualquer apoio do governo. Desistiu de tudo e se mudou para Minas Gerais.


A casa de farinha é o sustento de muitos 

 Fazer beijus e bolos à base de coco e farinha de mandioca, é a arte centenária em Riacho Doce. De lá, as boleiras partem para Maceió, onde se concentram na praça da Alimentação, no Centro, e vendem seus produtos. Mas é na própria fonte de produção que o consumidor gosta de comprar.
   Dona Tercina de Assis, de 66 anos, vende seu beiju na beira da estrada. Diz que não pode mais estar se deslocando todos os dias para a capital. Faz de tudo: bolo de massa puba, de macaxeira, tapioca, cocada, e outras guloseimas irresistíveis, que já tem clientela certa. 
   A técnica das boleiras de Racho Doce atrai a curiosidade de muitos que passam na estrada e querem conhecer a casa de farinha, localizada na rua de trás da pista asfáltica, já próximo a praia. Lá, elas se desdobram no preparo dos beijus, da tapioca, da brasileira, do bolo de mandioca e pé de moleque. 
   Outra boleira famosa é Ester dos Santos, de 61 anos, moradora de Riacho Doce, há 43 anos. Ela faz questão de ensinar a quem se interessa a fazer beijus, a base de mandioca. Nada complicado é só muito trabalho. No fim, vende uma unidade a R$ 0,70. O lucro é pouco mas não tem outra opção para sobreviver. É que sabe fazer. E muito bem. 
Homens pescam e as mulheres fazem bolos 
   Enquanto no Pontal da Barra, os maridos vão à lagoa pescar e as mulheres fazem artesanato, em Riacho Doce, eles pescam no mar e elas se desdobram na casa-de-farinha, fazendo beiju, tapioca, pé-de-moleque e outras guloseimas. É uma tradição de mais de um século. O distrito é quase todo habitado por pescadores e boleiras.
   Antes do sol nascer, José Benedito dos Santos pega sua jangada e se manda mar adentro, só retorna no pôr-do-sol, chegando a pescar 90 quilos de pescado dos mais variados. Vende tudo aos atravessadores. O mais caro cobra até R$  4,00 e o mais barato, R$ 0,70. 
   Do grupo dos mais jovens, Elenildo Sarmento de 26 anos, a pescar até 140 quilos de cavala, e vende tudo lá mesmo na margem do asfalto. O lucro é maior do que se fosse repassar para os atravessadores que compram em grande quantidade para revender no mercado. A dificuldade para os pescadores é a violência do mar, por que é toda artesanal, com jangadas a vela. Reivindicam uma balança para centralizar o pescado.


Fé católica é mantida entre os moradores 
   

 A data exata da construção da Igreja Nossa Senhora da Conceição, nenhum morador de Riacho Doce sabe dizer. Há até quem acredite que foi da Invasão Holandesa. Mas os holandeses, segundo os historiadores, não se fixaram naquele local, nem tampouco eram católicos, e sim, protestantes. O certo é que a igreja é antiga, com mais de um século. Sua arquitetura diz tudo.
   A professora Nadeje Araújo, conta que a igreja católica tem um papel relevante em meio à comunidade de Riacho Doce. Faz trabalho de catequese com as crianças e adolescentes, promove grupos de oração e ainda as missas  de final de semana. No início do mês de dezembro celebra-se a festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, com novenários, queima de fogos e procissão. Tudo feito como antigamente, para não perder a conotação religiosa típica dos antepassados. 
   A capelinha é modesta, mas muito bem conservada. As organizadoras estão sempre lá, para mantê-la limpa e pronta receber os fiéis. A imagem da padroeira é uma das principais relíquias, adorada pelo povo católico do distrito.

Publicado em O JORNAL, Maceió, domingo,  15 de dezembro de 1996.


Bar do Do Doquinha: o lar enluarado da boemia


Mesmo com tanta rusticidade, o Bar jangada virou point da juventude maceioense. A turma de universitários de Medicina se tornou freguesa. Jogadores do CRB e CSA vinham se divertir ali

Por Stanley de Carvalho*
Há 60 anos, quando os portões de Brasília começaram a se fechar para a Democracia, os direitos individuais e a garantia de livre manifestação de parlamentares e cidadãos, em Riacho Doce, então um Povoado a 15 quilômetros do Centro da Capital, se abriam as portas para a boêmia maceioense. Nascia um bar, a 100 metros do mar, locado entre coqueiros e casebres de pescadores e beijuzeiras. Era o Bar Jangada e o ano era o de 1964, paradoxalmente um ano triste para o pais, mas alvissareiro para Riacho Doce.
A ideia do Bar surgiu do morador Alcindo Monteiro de Carvalho, um proprietário de sítios e funcionário do INPS, não como uma inciativa empresarial, mas com o intuito de atrair amigos, colegas e outras pessoas interessantes, como boêmios, jornalistas, estudantes, enfim um público com conversas diferentes das que comumente se ouviam no lugarejo, então isolado em seus costumes quase rurais.
O inicio
Para a concretização de plano, Alcindo convidou o amigo Gastão Ramalho que além de sócio, ficaria mais diretamente voltado para a administração do estabelecimento. Mais tarde, o conhecido ex-jogador do CSA, Doquinha e que então vendia cigarros no Zinga Bar, a cerca de 300 metros do Jangada, foi convocado e aceitou se responsabilizar pela operacionalização do Estabelecimento, incrementando-o e multiplicando sua clientela. A competência de sua primeira cozinheira, a conhecidíssima jovem Jaci, bamba na arte de preparar os mais deliciosos almoços e tira-gosto típicos, se somou para alavancar o crescimento do Bar que, se no início abria timidamente, logo teria que aumentar o número de acomodações, em virtude do movimento das Sextas Feiras até à noitinha dos Domingos.
O Bar
Não demorou muito a se espalhar na Cidade a fama do aconchegante e rústico Bar Jangada, em Riacho Doce, montado com simplicidade, pela cabeça dos seus dois proprietários. A estrutura tinha uns 135m², sendo que desses 25m² eram referentes ao bar propriamente dito e 110m² em áreas de atendimento, com piso forrado com areia da praia. O coqueiral, abundante na Região, cederia matéria prima para toda a construção. Suas palhas, montadas sobre estrutura de colunas também feitas de troncos de coqueiros, constituíam a coberta. As mesas igualmente produzidas com troncos de coqueiro, apoiavam lastros confeccionados com tábuas do mesmo material. Os bancos eram com os mesmos troncos, forrados com espuma de nylon, coberta com napa fixada com pregos. Tudo simples. Por trás do Bar, o banheiro, afastado uns 5 metros, já que não havia rede hidráulica local. A iluminação do estabelecimento, por falta de energia elétrica depois das 22 horas, era feita com luminárias a gás, chamadas aladim.
Essa era a cara do bar top dos anos 70/80: a simplicidade, agora já famoso como Bar do Doquinha ou, simplesmente, Doquinha. A elite sempre gostou de vez em quando de dar uma de proletária, quem sabe para se redimir de suas culpas, e se submeter pisar na areia com seus sapatos de verniz, tomar cerveja em simples copos americanos, quebrar patas de caranguejo com rudes paus de cabos de vassouras e a urinar em banheiro único, sem espelho nem água corrente.
A efervescência
Mesmo com tanta rusticidade, o Bar jangada virou point da juventude maceioense. A turma de universitários de Medicina se tornou freguesa. Jogadores do CRB e CSA vinham se divertir ali. Jorge Villar, Marcus Vinicius, com seu violão e voz, Zailton, Tânio Marçal, Geraldo Carlota e cavaquinho, Hilário, artistas vários e cantores de toda Maceió, se alternavam nas noites de sexta-feira, em shows espetaculares e gratuitos, num Bar Jangada cheio. Lembro que personalidades da música, teatro, poetas, conferencistas que visitavam Maceió eram sempre levados, após seus compromissos, para o Bar das Ostras e/ou para saborear um caldinho, umas patinhas de uçá, com uma caninha e uma gelada, no Bar do Doquinha. Lembro que no brindamos uma noitada com João do Vale e Miúcha que haviam vindo participar da campanha de José Costa, para governador de Alagoas, em 1982.
Os fins de semana de Riacho Doce se tornaram tão atraentes que famílias e grupos de amigos que chegassem entre 10 e 12 horas da noite tinham que esperar na Praça defronte até que alguma mesa se desocupasse. E era por ordem de chegada.
Na época do Movimento Pela Anistia aos presos e exilados políticos músicas como Caminhando, de Vandré, Tou Voltando (Paulo César Pinheiro/Mauricio Tapajós), Apesar de Você, de Chico Buarque, Cálice de Chico e Gil, e mais outras canções engajadas de Chico Buarque, Ivan Lins, Mercedes Sosa, Gonzaguinha, se repetiam entre as mesas. A voz potente do acadêmico Jorge Mendes ecoava no recinto. Curioso é que muitos daquelas pessoas que entoavam naquela época no Bar do Doquinha essas canções de protesto semiclandestinamente, digamos, viriam a aderir à candidaturas ultradireitistas, nas últimas eleições de 2022.
O declínio
Finais de 70. A urbanização da orla de Pajussara, Ponta Verde e Jatiúca, aliada a descoberta pela boêmia da quietude e lirismo da orla lagunar de Massagueira, começou a levar prá bandas de lá a efervescência que pertencia o Bar Jangada. O Bar do Doquinha virou Bar do Zezé, com pouca patinha de uçá, porém com ênfase no churrasco, até seu fechamento, por volta de 1994.
Hoje vejo que a época tinha que ser aquela, mesmo. Atualmente, com a devastação causada pelo axé, sertanejo, pagode, sofrença e outras coisas mais, seria impossível reunir num bar tanto talento, tantos musicistas e gente importante para a Arte e a Cultura da Cidade.

*É engenheiro civil e compositor
Fonte: https://082noticias.com


RIACHO DOCE
                            

Água doce. Água salgada.
Coito misturado nos lábios da amada.
Assim é uma bela visão
De um cenário paradisíaco.
         
Na imaginação:
Cabanas dos pescadores,
Uma igrejinha secular, uma casa de farinha
E um subsolo rico em petróleo.
                                 
Cenário de José Lins do Rego.
Hoje: beijus, bolos e farinha de mandioca
É a arte deste bairro centenário.
                                 
Essas iguarias são vendidas
Na beira da estrada,
Técnica das boleiras de Riacho Doce.

- Ari Lins Pedrosa -

Galeria de Fotos

Bairros de Maceíó © 2002-2020

Curiosidade

Treze vezes vencedor do prêmio Notáveis da Cultura Alagoana - Prêmio ESPIA.

"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.

Top