Caderno 2

Por, Bairros de Maceió - 28/02/2008

Mestre Venâncio - As Histórias de um Guerreiro Aventureiro

Alagoas tem tanta riqueza cultural que muita coisa passa despercebida. Uma conversa com o mestre Venâncio revela muito da simplicidade e das dificuldades que a gente humilde do Brasil passa, mas com muito bom humor. Manoel Venâncio de Amorim, aos 87 anos de idade (idade com que faleceu), bastante consciente da realidade em que vivemos, é um dos maiores cantadores de Pagode (ou coco) e mestres de Guerreiro do Estado e que tem muita história para contar...

Nascido em 20 de abril de 1921, Manoel Venâncio de Amorim, filho de Cícero Venâncio de Amorim e Antônia Maria da Conceição,, desde seus 8 anos cantava Pagode com o pai, depois começou a cantar Reisado, com dez anos, na cidade de Cajueiro, interior de Alagoas. Iniciou-se por intermédio do pai que o colocava junto com o cantador mais ‘fraquinho’, durante os festivais, para fazer dupla em apresentações pelo interior do Estado, pois menino que era, não podia se apresentar com os cantadores mais experientes, e logo começou a ser elogiado pelos mais velhos. Depois, ele fez uma viola para cantar nas festas.

Com 14 anos, foi para Fernão Velho, distrito próximo a Maceió, cantar e dançar Guerreiro, e trabalhar numa fábrica têxtil. Por cinco anos cantou Pagode em parceria com o falecido Fabiano, quando ia tapar as casas de taipa que construía em mutirão, quando aproveitava para cantar Pagode.  Aprendeu com o pai a música de quem carregava, nas costas, as madeiras e o barro durante a construção: O Besouro Mangagá: Enrolha, enrolha, enrolha, enrolhador, meu besouro é mangagá... (bis) Eu nasci pra cantoria, vou mostrando o meu destino, pra mulher e pra menino, vai à noite traz o dia, com rima grande e macia para os “home” apreciar... eu também posso cantar para os “home” de valor.... Enrolha, enrolha, enrolha, enrolhador, meu besouro é mangagá...

“Eu gostava do forró... andava uma légua só pra dançar e apreciar as meninas, mas sempre que eu ia no forró, tinha uma briga que acabava com o forró da gente... quase levei um tiro de mosquetão de um camarada que chegou alterado no bar que a gente tava..., quando o camarada apontou o mosquetão pro outro.. foi gente que corria que só a bexiga...”

Casou pela primeira vez aos 25 anos e teve um filho que já faleceu, aí foi trabalhar, como servente de pedreiro por três anos, no interior da Bahia, em 1949, onde aproveitou para dançar e cantar o Guerreiro. Depois, foi para o Rio de Janeiro, de navio, quando passou por um temporal. Como estava na terceira classe, mas sempre gostou de comida boa, desenrolou um trabalho de ajudante de cozinheiro, para comer  melhor e ainda teve tempo de ganhar uns trocados e chegar ao Rio de Janeiro para trabalhar como servente. Depois de enfrentar muitas dificuldades, por falta de experiência, aprendeu o ofício graças à sua teimosia que lhe é peculiar, quando conseguiu trabalhar e juntar mais um dinheirinho e ir para São Paulo trabalhar durante dois anos. Só voltou depois de ter ganho seis contos de réis numa causa trabalhista, e ainda chegou em Alagoas, de ônibus, com dois contos no bolso.

Nessa época em que passou no sul do país, cantou Guerreiro e Pagode, em festas, aniversários e casamentos, por onde passou fez quatro músicas que passaram pela censura, pagando 80 mil réis, cada uma 20, e só não gravou por falta de oportunidade.

“Sempre gostei de um rabo de saia... hoje sou casado com a terceira mulher... morreram duas comigo. A minha atual é Gilvanete Vicente de Mendonça”.

Hoje, Venâncio tem cinco filhos, sendo o mais velho com 40 anos e a mais nova com um ano e meio. Os filhos mais novos já se interessam em cantar o Pagode, e um deles, o Claudevan, com sete anos, foi para feira comprar galinha e aí o vendedor perguntou de quem ele era filho, e ele disse que era filho do “Seu” Venâncio, e o camarada só acreditou quando o menino começou a cantar: “O passarinho foi embora fugiu da minha gaiola, nunca mais voltou... ele posou dentro do jardim... meu bem disse a mim venha cá meu beija-flor...”, foi aí que o vendedor acreditou.

Como foi a experiência de cantar com a banda Dr. Charada, no Show Encontros?

Só foi um pouco diferente o acompanhamento. Porque, pra mim, o Pagode tem que ser com o pandeiro, o ganzá e a peneira, mas gostei muito dos meninos... dá pra fazer  muitas vezes.

Como é o seu grupo de Guerreiro, Mensageiro de Padre Cícero?

Eu gosto muito do Guerreiro porque eu canto com outro camarada e dá pra descansar...., mas dá muito trabalho. As roupas ficam todas comigo, porque se deixar na mão dos outros... se perde ’tudinho’. Eu recebi uma ajuda do Enio (Lins), quando era Secretário de Cultura, pra comprar umas roupas novas pra gente se apresentar em Teresina (PI), em 90. foi muito bom. O povo de lá não queria deixar a gente voltar.

Como o senhor mantém o grupo?

Eu recebo minha aposentadoria que não dá pra nada... tem o dinheiro das apresentações, mas que também é muito pouco. Quando me apresento sozinho eu ganho uns R$ 100,00 e com o Guerreiro uns R$ 400,00, pra dividir com 25 a 30 pessoas. A gente tem é ajuda dos amigos... Já tô com um terreninho pra fazer uma sede pro meu grupo, um galpão... só falta o dinheiro.

Qual foi a pior época para o nosso folclore?

A pior mesmo... faz uns três anos, quando ninguém se apresentava mais, porque ninguém dava valor. Agora tá bom, porque a gente se apresenta mais. De dois anos pra cá a cultura cresceu muito. Antes era muito ruim, era muito triste

Qual foi a sua melhor apresentação, a que o senhor gostou mais?

Uma, foi aquele desfile na praia (Desfile em 16 de sembro – Emancipação Política de Algoas - em homenagem ao falecido folclorista Pedro Teixeira, quando os mestres de folguedos desfilaram em um carro alegórico) e o outro foi aquele com a banda dos meninos (banda Dr. Charada) no ginásio (do Sesi, Show Encontros em julho que reuniu mestres do folclore e músicos do cenário alagoano). Aquilo foi muito bom, porque eu pude fazer o que eu queria, fui reconhecido porque o meu trabalho foi aproveitado e todo mundo tava animado e gostou do que a gente tava fazendo.

Como foi o incêndio que destruiu as roupas do seu grupo de Guerreiro?

Já faz uns 4 anos. A vela que tava acessa lá em casa, pegou fogo nas roupas de noite. Queimou tudo... mas ninguém se queimou. A casa não queimou, não. Foi só o Guerreiro. Tive que fazer tudo de novo. Deus é bom e me ajudou. No outro mês (novembro) teve uma apresentação de R$ 300,00, e eu fiz tudo de novo.

O que fazer para que o nosso folclore não morra no esquecimento?

Tem que fazer como eu faço: ensino pros meus filhos, passando pras crianças nos colégios.. porque se não passar, quando o mais velho, que já não lembra muito, se for... fica tudo perdido... Antigamente, tinha mais gente dançando mas hoje a gente se apresenta mais, nisso hoje tá bem melhor. Só não tem tanta garota bonita como antes, porque quando elas encontram namorado, deixam de dançar. Hoje, a maioria do pessoal é idoso.

“De dois anos pra cá a cultura cresceu muito, antes era muito ruim, era muito triste”

Keyler Simões
Jornalista e Produtor Cultural
www.tudoalagoas.com.br
 
NOTA DO SITE:

Venâncio será velado a partir das 18h desta quinta-feira (28) em sua residência, na Rua Santa Luzia, 63 – Tabuleiro, próximo ao Campo do Sete de Setembro e da Feira do Tabuleiro. O enterro será amanhã,(29) sexta, às 10h, no Cemitério São Luís, na Santa Amélia.

 

Continue navegando...

Bairros de Maceíó © 2002-2020

Curiosidade

Treze vezes vencedor do prêmio Notáveis da Cultura Alagoana - Prêmio ESPIA.

"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.

Top