Caderno 2

Por, Bairros de Maceió - 31/08/2010

O último trupé de Mestra Hilda

Coco alagoano perde uma de suas maiores representantes

Por: Kleyler Simões

A cultura popular de Alagoas sofreu mais um baque nesta manhã, com a morte de Hilda Maria da Silva, a Mestra Hilda, a dama do Coco de Alagoas, uma das mais carismáticas e queridas mestras populares e uma das últimas detentoras do saber do coco de Alagoas, também chamado de Pagode.

Fibra é a palavra que define os fortes. Perseverança, define os destemidos. Coragem, é a palavra que define os heróis. Dona Hilda é sinônimo de todas elas. Com 89 anos de idade, completados em 1º de julho último, Mestra Hilda era uma das maiores figuras do nosso folclore e nossa cultura em geral.

Faleceu na manhã desta terça, por ironia, ainda no mês do folclore... sua vida.

Nascida e criada em Rio Largo, bem próximo à Maceió, essa senhora trabalhou muito em diversas tecelagens de Maceió para sobreviver. Vinda de família muito humilde, recebeu dos pais a influência de dançar o Pagode. Sempre que havia uma reunião de amigos, lá estava Hilda dançando e cantando o nosso pagode, mais conhecido por Coco. O que começou como uma brincadeira de criança, transformou-se em uma das mais autênticas representações do povo alagoano.

Naquela época nem se falava em manter vivas as nossas tradições. Dançava-se por puro prazer. Como o prazer que Dona Hilda ainda tem ao subir num palco e apresentar-se para um público, como ela própria diz: “Gosto de me apresentar... de ver aquele povo todo me aplaudir... Eu fico, que é uma coisa.! Se eu tiver com alguma dor ruim... melhoro rapidinho. É como uma coisa que sai do coração, que me deixa tremendo toda de felicidade...”.

Hilda da Silva, completou neste ano 46 anos de cantoria à frente de grupos de pagode e de Baianas. “Fui criada assim. Sempre que tinha uma festa, eu ia com os meus pais ou com meus amigos”, lembra Dona Hilda. Foi assim, não ao acaso, que ela conheceu e se apaixonou pelo seu marido, aos 25 anos de idade. Foram mais de 50 anos de casamento, quando em 1999 ele faleceu. Tristeza só superada pela dedicação e o prazer com seus grupos.

Quando perguntada sobre o que gosta mais, entre o Pagode e as Baianas, Dona Hilda não demorava a responder: “Gosto mais do Pagode porque é mais quente, tem um fogo... que eu gosto muito, que faz um bem danado”. Seu grupo de Pagode é, sem dúvida, o mais conhecido e o que leva no nome a força dessa senhora: Pagode Comigo Ninguém Pode, a quem ela se dedicava de corpo e alma, pois a danada não só canta e compõe, como também compra e enfeita as roupas dos “dançadores”, são 13 pessoas no total e mais 3 para entrar. Ela dizia: “Eu compro as roupas dos homens e das mulheres, que elas mesmas é que costuram”. E não fica só por aí, não. Além disso, é ela quem lava as roupas, após cada apresentação, e guarda em casa. “Quando tem uma apresentação, o pessoal passa lá em casa pra pegar as roupas, e quando acaba tem que deixar lá. Eu lavo depois com muito cuidado pra não estragar, porque senão as roupas vão se acabando muito rápido e fica feio se apresentar tudo desbotado ou rasgado. Comigo não tem isso, não... tenho dois armários: um pro Pagode e outro pra Baianas”, explicou.

 “Tem paciência morena, que eu mesmo serei teu bem....”

 Esse cuidado não era à toa. Ela comprava as roupas dos grupos com o dinheiro que recebe da aposentadoria e da pensão deixada pelo marido. Além disso, fazia questão que todo mundo se apresentasse “cheirosinho” e bem arrumado, como ela própria faz questão de estar. Até meninas que viviam nas ruas Dona Hilda trouxe para dançar nos seus grupos e que se mantém lá. “Só não faço mais, porque parece que a nossa cultura tá se acabando, tá querendo cair, porque não dão valor. Tem muito ‘dançador’ que não quer mais se apresentar, porque o que pagam a gente, além de muito pouco, as pessoas demoram para pagar...”

Na época perguntamos à Mestra Hilda quem seriam seus aprendizes, e ela responde: “As minhas filhas, que dançam mais a Baiana, mas  sabem tudo do Pagode, e a minha nora, Duarte, que canta comigo”.

Como todos os grandes mestres dos folguedos alagoanos, Dona Hilda conviveu muito com o falecido professor Pedro Teixeira (nosso homenageado), “Pedro Teixeira foi quem me apoiou e quem me dizia: ‘Dona Hilda a senhora é maravilhosa porque a senhora sabe o que está fazendo’. Pois o meu Pagode é autêntico, sem misturar com outras coisas. Ele me apresentava nos locais... Pedro Teixeira foi a maior pessoa que me considerou”.

Dona Hilda era assim: simples, durona, exigente, responsável, e acima de tudo, uma figura simpática que representava uma grande parcela da nossa cultura... “Sei guerreiro... chegança... já dancei tudo isso., mas a memória não me ajuda mais”, e modesta, tanto é que quando perguntada sobre seu maior sonho ela respondeu: “Meu maior sonho é o meu Pagode. Essa é a minha ‘brincadeira’... é tudo para mim... é o que me deixa feliz”.

Dona Hilda Maria da Silva, tinha 89 anos de idade. Deixou 8 filhos (4 homens e 4 mulheres), mais de 30 netos, 16 bisnetos e 8 tataranetos. Seu filho mais velho é Natanael, de 72 anos. Da família, participavam do  grupo Pagode Comigo Ninguém Pode: 03 filhas, 01 sobrinha e 05 netos.
"Segundo Josefina Novaes, Presidente da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (ASFOPAL): "Dona Hilda era muito querida e é uma das maiores perdas da cultura popular de Alagoas, sem dúvida alguma".
Para Jurandir Bozo, músico, que hoje lidera o recém-fundado Clube do Coco, em Alagoas:"A energia que ela tinha era invejável... a cultura popular corria nas veias de Mestra Hilda... estamos tristes pois era uma grande referência".
O Coco está de luto, mas Alagoas deve muito a ela e só temos a agradecer por sua dedicação à cultura alagoana.

O velório está acontecendo em sua residência, em Bebedouro, na Rua Nova, 80. O enterro acontecerá nesta quarta, às 10h no Cemitério de Bebedouro.


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Curiosidade

Treze vezes vencedor do prêmio Notáveis da Cultura Alagoana - Prêmio ESPIA.

"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.

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