UM NOVO DIAL
Talvez, também instigue ao leitor saber quais as mensagens subliminares contidas em um disco que se chama Rádio Cabeça, cuja capa traz, como figura central e única, um cacto, com um apêndice vermelho, quase fálico. Pois bem, a 1ª faixa, deste novo trabalho do não menos instigante Basílio Seh, é a que também dá nome ao disco. Daí, nada mais lógico do que pensar que as respostas poderiam estar na letra da canção. No entanto, não fui além do que o autor escreveu: “A rádio cabeça está no ar / E assim eu vou ligado em mim / Cantando até alguém enfim / Me chamar e então a sintonia cai / Desligo o rádio e volto ao normal.”
Tudo bem, ele só não contava como voltar ao normal depois de ouvir, de chofre, uma introdução com a tronchura (no mais precioso sentido do jargão musical) relativa às ideias basilianas, como se fora uma atonalidade rítmica que sai dos usuais compassos binários ou quaternários, e não se sabe de imediato qual é o chão. Seguir em frente seria inevitável, porque a espera pelo inusitado poderia ser agraciada a qualquer momento, em alguma altura ou tessitura do Rádio Cabeça. Além disso, ainda não havia conseguido as respostas às tais elucubrações do início. Então, recorri ao auxílio luxuoso no encarte do CD, onde Basílio Seh escreveu: “Este trabalho desenha a imaginação sonora de um indivíduo, onde o próprio é ouvinte de uma programação musical livre, manifestada pelo sistema nervoso central.”
Agora as coisas começavam a clarear. Só que o indivíduo em questão é Basílio Seh, um compositor e artista dos mais singulares e autênticos da cena aquariana. Por isso, muito próximo e vulnerável ao maniqueísmo simplista, tão próprio da mediocridade cultivada nos tempos atuais, incapaz de se mostrar atenta a qualquer reflexão mais aprofundada ou audição mais apurada ao que destoe do óbvio. Ser fruidor da “imaginação sonora” deste indivíduo, é um chamado que o álbum Rádio Cabeça facilmente lhe conduz e coopta. Porém, ser intérprete textual da livre manifestação do “sistema nervoso central” deste artista, é uma tarefa completamente diferente, mas que é prazerosa pelo grau de complexidade implícita à empreitada em si, dó, lá, sol e todas as notas da escala cromática.
Quase como uma síntese, percebe-se que Basílio Seh, em Rádio Cabeça, fez um deslocamento ou portamento musical de sua obra, suavemente, para uma latitude sem o ligeiro regionalismo dos seus discos anteriores, e agora atua em um ambiente mais universal, jazzístico e até mesmo rock and rool. E esse universalismo não se pauta, em absoluto, pelo seu mergulhinho nonsense no idioma inglês, como acontece na balada Deixa Acontecer. A universalidade se dá pela atmosfera geral do disco, em suas variáveis de gêneros e ritmos, num desfile sonoramente cabeça, alternando baladas românticas com levadas mais estimulantes, numa clara demonstração de que o gráfico do disco foi pensado propositalmente nesse sentido. Funcionou.
Sem perder seu cerne estrutural, Basílio Seh insinua ser não exatamente outro compositor, mas alguém que simplesmente ampliou as possibilidades do que vinha fazendo musicalmente. E vamos por aí, até chegar em Zuleide, faixa 7, uma desconstrução deliciosa de Marieta e Eu, do disco Oco do Mundo, lançado em 2003. A partir daí, fica evidente uma divisão de propósitos, e o velho e bom Basílio Seh – do tempo do Sé, com esta grafia – reaparece e reacende a faísca de Lá Vai o Trem e o Cão Correndo Atrás, para entortar as cabecinhas afeitas às molduras caretas e conservadoras de sempre. De Zuleide para o fim, e já nas faixas seguintes, Fantasmas e Um Louco na Era Lunar, onde ele cita Nietzsche, é como se Basílio Seh se emputecesse com o discurso adocicado, que vinha cometendo nas faixas anteriores, e resolvesse abrir o verbo e as imprescindíveis idiossincrasias musicais da sua lavra Rádio Cabeça. Aí, Basílio Seh fecha um ciclo e o disco com louvor!
Tal como um cacto, Rádio Cabeça traz a beleza áspera e atraente, para mãos e mentes habilidosas, que saibam envolvê-lo sem os riscos dos espinhos e da dor.
SERVIÇO
RÁDIO CABEÇA
Disco físico: à venda em solistamusicalprodutora@gmail. ou (82) 999071312
Publicado na quinta-feira (14/12), pelo Caderno B do jornal Gazeta de Alagoas - Por Mácleim
Ouça o álbum completo AQUI
"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.