Brejo oferece o bilhete verde, para qualquer geração embarcar rumo à criatividade mimética, que só a Mopho proporciona
O BREJO!
Certa vez, lendo a ótima matéria O Radical, sobre o diretor teatral Roberto Alvim, encontrei a seguinte afirmação dele, com a qual concordo plenamente: “A função da crítica é formar conceitos. Que conceitos ela cria hoje? Eles dizem: ‘A peça é incrível, tem um humor cáustico, fulano está muito bem em cena.’ Isso é só valoração, adjetivação. Sem criação de conceitos, uma arte não evolui.”
Pois bem, tenho a impressão de que a banda Mopho, desde o seu nascimento e ao longo dos seus 21 anos de carreira, foi a banda local mais rotulada com as modinhas jornalísticas da vez, travestidas de epítetos que conceituavam o seu trabalho como retrô, rock progressivo, psicodélico e coisas do gênero. Portanto, a Mopho já foi conceitualizada em demasia! E, sinceramente, apesar de concordar com a afirmação de que sem criação de conceitos, uma arte não evolui, não foi por aderência lógica e conceitual que a Mopho evoluiu até chegar ao seu quarto álbum, Brejo, lançado em abril deste ano corrente e esquisito, que logo mais nos dará adeus e poucas saudades.
Ocorre que o título Brejo, por si só, parece encharcado de conceitos ou, no mínimo, sugere alguma reflexão conceitual. Basta uma simples pesquisa para sabermos que, por definição, brejo “é o terreno alagado, de consistência amolecida, com seres vivos adaptados ao meio.” Mas também encontraremos no Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, que “brejo é sinônimo de pântano, terreno sáfaro, agreste, onde só medram urzes.” Por isso, a melhor definição conceitual do nome Brejo, para este novo trabalho da Mopho, é mesmo a que um dos dois únicos remanescentes da formação original da banda, João Paulo, formulou: “A palavra tem uma sonoridade simples, uma grafia curta, e remete à questão do Nordeste, do interior, o lance dos brejos. Tem sonoridade.” E com o perdão do trocadilho, quem, literalmente, já foi pra o brejo, sabe da delícia que é a sonoridade quase sinfônica do coaxar dos cantores do alagadiço, com sua musicalidade “brejeira” e magneticamente orquestrada.
O fato é que, à época do lançamento e aos poucos, os próprios componentes da banda foram conceituando este álbum. O tecladista Dinho Zampier afirmou: “Ele tem uma composição mais rebuscada. Diferencia bastante dos outros discos, na questão dos arranjos, como a gente gravou. É um disco muito ímpar para quem conhece nosso trabalho.” Provavelmente, ainda nessa linha de conceituação, foi o próprio João Paulo quem bateu o martelo dessa questão e declarou: “É muito mais um álbum meu, enquanto guitarrista e vocalista do Mopho, do que essencialmente um álbum coletivo.” Ele se referia ao fato de, sob sua ótica, ser um álbum intimista, onde todas as músicas são de sua autoria, com algumas parcerias. Além disso, de alguma maneira, Brejo parece ser uma espécie de releitura comemorativa a tudo o que a banda já havia gravado até então.
Quantitativamente conciso – são apenas oito faixas –, Brejo faz com que sua audição flua sem dificuldade e com uma rapidez que induz ao impulso imediato de apertar o play novamente e voltar tudo ao começo, para refluir as nuances que vão, naturalmente, se revelando a cada nova audição. Desde a 1ª faixa: Deus Está Nu, até a última: Brejo – instrumental que dá nome ao disco –, as referências são inevitáveis e vão dos Pholhas, passando pelos Beatles, Jefferson Airplane, Mutantes, até a mais nonsense baladinha cuba libre, do auge da Jovem Guarda. É uma viagem que, em algum momento, nos remete a algo sensorial e inerente à sensibilidade humana. Brejo oferece o bilhete verde, para qualquer geração embarcar rumo à criatividade mimética, que só a Mopho e a vida sonora dos brejos proporcionam.
A partir deste álbum, a frase “foi pra o brejo” terá outro significado. Será sinônimo de coisa boa, de que nada foi perdido, de que a boa música nos redime e ainda podemos ter fé no que virá. Então, que venha 2018 com a musicalidade característica de quem foi pra o Brejo e voltou feliz.
SERVIÇO:
CD BREJO
Disco físico: À venda nos shows ou nas redes sociais da banda
Plataformas digitais: Spotify, Deezer e no canal da banda no Youtube
Ouça o álbum completo aqui http://www.bairrosdemaceio.net/web-radio-maceio/899
Publicado na quinta-feira, 28, pelo Caderno B, do jornal Gazeta de Alagoas, por Mácleim
"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.