I
Essas águas afloram peixes.
Essas águas bebem estrelas.
II
Todas as águas que aqui murmuram
nasceram com a luz dos vetos:
as águas (génie de esperanças),
múltiplas, genitais, límpidas,
líquidos lírios brancos
que lavaram as sementes,
que estabeleceram as raízes.
III
Aqui os homens fremem-se como peixes.
No fulgor de salsugem e maresia,
as águas crepitantes, a terra,
são evasões de sonhos e claridade.
Demais as criaturas sonham:
os goiamuns enlouquecidos
na lodosa flora da lagoa;
os mariscos floridos
nas areias estéreas do mar;
os peixes e o sururu embriagados
nas transparências em oferta.
Demais aqui, demais,
lírio de sal, plenitude de sol,
na fecunda constelação dos peixes.
IV
Maceió, foz dos ventos,
de doidos sol e lua excursionistas
sobre este triste povo sorridente,
conservador e falso puritano,
grande parte pobre de fazer dó
Maceió de ruas tortas
onde os transeuntes exalam mar
e estão a vagar.
Ah, terra insular!
Ah, terra antigamente!
V
Por este azul-verde-sangue
resplendem os horizontes,
que a terra o céu habita
e abraçados nos ventos livres
os coqueiros assonam em festa
as suas asas de anjo.
VI
Há uma ilha de coração,
canto de núpcias, sal e sangue,
cercado de mar e eternidade.
Encrustada a alma do poeta
num golpe de rosa e solidão.
VII
(A noite derrama suave
sua pátria de estrelas
no mar cheio de línguas.
Bebe da taça o sangue
da multiplicação dos peixes
A terra recolhe a espuma
e os beijos de sal.
VIII
Lagoa Mundau
filha dos rios do norte
Mundau rio
anseia os seus ocultos amores
entre canais e ventos
que o dia rumina criaturas
nas redes dos pescadores.
Lagoa Mundau
de negro ventre
grávido de sururu.
IX
Não lhes deixe, ó águas,
que o veneno dos homens
abortem os seus filhos
que a vida nestas águas
é mais doce que a vida.
X
Diversa fonte da esperança
diga porque os rios bebe
estrondosa invenção dos peixes
em que trescalam em ondas
os murmúrios antigos de Netuno.
Mar de Maceió,
razão em fluxo e refluxo
no passo a passo cadente
do coração espargido de luzes
no infinito parto das águas.
XI
Que outras águas,
que outros ventos,
que outras luzes,
poderão existir
além - e muito -
da vertiginosa Maceió.
Sangram-se no pender
se sonho e esperança,
filhos que se banham,
que se iluminam,
que se arejam,
pelas lagoas,
pelas praias,
pelos verdes da terra.
Versejem o azul do dia
e a negritude noturna
aquosas e sempre.
XII
Sempre (senão sempre)
revivem e renascem
habitantes e turistas
devotos da palma branca
do areal das praias,
verde pedra líquida,
das águas mágicas
que silvam a maresia
nos narizes rubros
ardendo a música do sol -
o coração morno
que enlaça os horizontes
(deitando-se na noite)
com sua cantilena de sonho
banhando as vazantes.
Currais de homens
cercando as criaturas.
XIII
Aqui estou, ó terra minha,
pungente sangue do seu sangue
nas criaturas em sementes
e nos brancos lírios da manhã.
Aqui estou, ó terra minha,
nos dedos inéditos das suas águas
que me passam olhos verdes.
XIV
Maceió, rima e rumo, riso e siso,
nas vidas e contra-vidas de faces
que sustentam e habitam os homens.
"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.