O maestro Benedito Raimundo Silva começou ainda muito cedo no aprendizado da música. Foi vida afora um autodidata. Menino, ele tocava na banda de música dos "Artistas'", que pertencia a Sociedade Recreio Filarmônico Artístico", entidade civil fundada em 15 de agosto de 1876. Um dia, o menino Benedito seria o mestre desta banda, e com ela em passo ordinário atravessaria tantas vezes a cidade querida nos dias de festas, procissões e retretas.
Não tendo o pai de Benedito Silva recurso para educa-lo, a "Banda dos artistas" foi o seu conservatório, a sua universidade.
Segundo o historiador Moacir Medeiros de Sant'Ana, aos onze anos de idade Benedito tocava com grande desenvoltura e, aos dezoito, executava as paineiras composições de sua própria lavra" (*) fala-se até que com esta idade ingressaria como soldado musico na Forca Policial Militar. Todavia não existem provas deste acontecimento. Por outro lado, possível que tudo corra por conta da lenda coo o intuito de mostrar a precocidade do maestro — um genio que desabrochava para o universo misterioso dos sons.
Em 1887, no dia 30 de outubro, na praça Senhor Bom Jesus dos Martírios, na festa popular deste Santo Milagreiro, debuta Benedito Silva como maestro da banda da Sociedade Recreio Filarmônico Minerva, —"A Minerva". Naquele memorável dia, outra banda também se exibia no seu coreto, a banda da Sociedade Recreio Filarmônico — a "Filarmônica dos Artistas", dirigida pelo professor Valerio Pinheiro.
Estas duas bandas — como observa Guiomar Alcides de Castro na sua obra, se digladiavam musicalmente e, às vezes, violentamente através de seus partidários. Gritos, insultos, agressões. Eram duelos de dobrados, valsas, marchas, que chegavam ao desforço. 0 povo aplaudia e insultava naqueles dias sem radio, sem televisão, sem cinema falado, sem jogos de futebol.
Benedito Silva era a grande astro. Em muitas daquelas guerras, cujas armas eram instrumentos musicais, a polícia teve que intervir para evitar derramamento de sangue. Registram os jornais da terra — e meu pai falava muito a respeito que, em 10 de setembro de 1889, as duas bandas chegaram ao auge da peleja e resolveram apelar para a força. Os partidários, como os fãs de Emilinha e Marlene — agarraram-se e o pau cantou.
Correm os anos. Benedito Silva é agora um lutador contra a escravidão. Vai as praças públicas ouvir os oradores. Dos seus minguados vencimentos deixa uma parte para alforriar escravos e pagar publicações. um democrata contra um sistema imoral que tratava o homem como se fosse um animal.
No ano de 1890, Benedito Silva, o popular "Benedito Piston", era o mestre da banda de música da "Escola Central", estabelecimento que era da tradicional "Sociedade Libertadora Alagoana". Tal escola só era frequentada por escravos ou filhos de escravos, e também por menores abandonados.
Pelos serviços de professor de música, e ensaiador, autor do Hino de Alagoas, nada recebia. Era mais uma contribuição para a luta dos abolicionistas como o professor Francisco Domingos da Silva, o major Bonifácio Magalhães da Silveira e tantos outros.
Eis uma vida sublime, de um homem sublime preocupado com a música e com a liberdade, envolto no seu liberalismo provinciano, a pensar no bem-estar social de seus irmãos negros.
No ano de 1893, em céu aberto, 30 de julho, Benedito dava seu primeiro concerto regendo a "Minerva". E povo, de ouvidos afinados, delirava diante das músicas clássicas e aplaudia o seu herói acompanhando suas mãos de posse de uma batuta, e que bailavam no ar arrancando sons misteriosos dos instrumentos.
Era o povo julgando o mestre.
Benedito Silva dirigiu também varias orquestras nos bailes das sociedades dançantes de seu tempo.
Durante todo espaço que acima percorremos, o maestro jamais deixou de produzir. Fazia uma música com aquela facilidade com que o poeta Carlos Paurílio escrevia seus versos e seus contos, numa mesa de mármore do bar "Helvetica" ou numa mesa de revisão do "Diário Oficial". Suas valsas e tangos eram tocados nas residências animando os saraus daqueles tempos tão longe do rádio e da naquela era dos pianos, enquanto seus hinos eram cantados nas escolas, nos quartéis e nos centros recreativos operários.
Benedito Silva dirigiu a banda da Escola de Aprendizes de Marinheiro. Era de vê-lo marchando ao lado dos seus "meninos", como ele os chamava, nos dias de formatura, do "7 de setembro", da "Batalha do Riachuelo", da "Proclamação da Republica". Lá ia o mestre Benedito do lado direito de sua querida banda, de bengala em punho, que se transformava numa balisa, ou melhor, numa batuta.
A Marinha sempre foi muito querida em Maceió. Por isso, o povo rompia em aplausos quando os marujos passavam.
Em fins do ano de 1903, o grande maestro está regendo a banda do batalhão da Forca da Policia Militar. Foi uma fase de glorias da corporação. Semanalmente, duas vezes, a banda se exibia para o povo na hoje Praça Floriano Peixoto.
Está provado que o excelso músico esteve fora de Maceió. Conheceu a Capital Federal, que era o Rio de Janeiro, quando fez amizades com músicos do sul do país, os quais viram de perto a sua forca como regente e compositor. No Amazonas, dirigiu várias bandas, inclusive a do 109 Batalhão, sediado no Recife, bem como bandas da Bahia e do Rio de Janeiro. Esteve tambem, por pouco tempo, nas cidades do Pilar, na "Euterpe Pilarense", em São Miguel dos Campos, na "Euterpe Miguelense". Mas como um telúrico voltou sempre para a sua Maceió, quando então dirigiu as bandas do Tiro de Guerra Alagoano e, novamente, a banda da Policia Militar. Musicou uma revista da lavra de Rodriguez de Melo, intitulada "Maceió Moderno".
Mestre Benedito Silva seria imortalizado ao escrever o "Hino das Alagoas" com letra de Luiz Mesquita, adotado oficial por forca do Decreto n9 57, de 06 de junho de 1894, firmado pelo então Governador Gabino Besouro, diploma tipicamente executivo, pois naquele ano (1894) em face de lutas políticas no se reuniu o Congresso Estadual, só ocorrendo em 1895, quando era governador o Barão de Traipu, e foi decretada e promulgada a Lei da Reforma Constitucional das Alagoas, sendo Presidente do Senado Estadual o doutor Manoel Jose Duarte e Miguel Soares Palmeira, Presidente da Câmara. Era a consagração. Daí em diante os meninos e adultos passaram até hoje a cantar o Hino das Alagoas.
(*) "Benedito Silva e Sua Época" Pag. 8
Fonte: Livro Benedito Silva – Uma saga da música das Alagoas - Baixe AQUI o livro no MISA
Autor: Paulo de Castro Silveira (1981)
"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.