Antiga rua do Roe Couro, de São Pedro e do Horizonte
Homenagem a quatro pescadores: Umbelino José dos Santos, Eugenio Antonio de Oliveira, Joaquim de Santa Ana e Ganhado da Silva, que tripularam a jangada “Independência” , a qual foi de Maceió ao Rio de Janeiro em agosto de 1922 para as festas do 1º Centenário do Grito do Ipiranga.
Fonte: Livro Memórias de minha rua / Autor: Felix Lima Junior
Passava um pouco das 11 horas da manhã do domingo, 27 de agosto de 1922, quando uma pequena jangada levando quatro pescadores deixou a enseada de Jaraguá, em Maceió, rumo ao sul.
A embarcação formada por seis paus e um pequeno mastro com vela não levava nenhum aparelho de navegação. Em clima de festa e sob aplausos de uma multidão, a jangada foi acompanhada até a saída da enseada por vários barcos.
Pretendiam chegar ao Rio de Janeiro como parte de uma série de homenagens que algumas Colônias de Pescadores realizaram como contribuição aos festejos do Centenário da Independência do Brasil, que aconteciam na então capital federal.
Vários estados brasileiros enviaram embarcações, mas poucas navegaram por todo o trajeto e nenhuma teve a ousadia de utilizar uma frágil jangada.
A ideia desta homenagem surgiu dois anos antes, na sexta-feira, 25, e partiu de Homero Galvão, presidente da Colônia Cooperativa dos Pescadores “Almirante Jaceguay”, que conseguiu a autorização do capitão dos Portos, Antônio Viera Lima, e do governador do Estado, Fernandes Lima.
A jangada, que foi denominada “Independência“, teve como madrinha Carmesina Mendonça de Carvalho e foi abençoada pelo cônego Capitulino de Carvalho, acolitado pelo cônego Fernando Lyra.
Seus tripulantes foram os pescadores Umbelino José dos Santos, com 45 anos e mestre da embarcação, natural de Passo de Camaragibe; Joaquim Faustilino de Sant’Ana (41), de Barra de São Miguel; Eugênio Antônio de Oliveira (28) e Pedro Ganhado da Silva (36), estes de Coruripe.
Viagem
Na tarde de 1º de setembro, a jangada Independência foi vista passando pela barra do Rio São Francisco, entrando no litoral sergipano. Cinco dias depois passou pela capital baiana, cumprindo o planejado e mantendo a possibilidade de chegar ao seu destino entre dez e trinta dias.
Entretanto, a partir de Salvador os navegantes passaram a enfrentar mau tempo, levando-os a “arribarem” em Camamu, ainda na costa baiana, após um temporal em que foram atirados ao mar e perderam suas provisões, roupas e a vela. Nadando, os pescadores rebocaram a jangada até à praia, onde foram bem recebidos pela população.
Informado da situação, o governador da Bahia, José Joaquim Seabra, telegrafou para o intendente do município e recomendou que proporcionasse “tudo quanto for preciso para que os mesmos possam concluir o seu percurso oceânico” (A Noite de 23 de setembro de 1922).
Aguardando melhores condições de tempo, permaneceram em Camamu até o dia 16 de setembro. Voltaram ao mar, mas por força de outro temporal interromperam novamente a viagem, aportando no dia 25 de setembro em Ilhéus.
Depois, pararam novamente em Porto Seguro, onde chegaram no dia 4 de outubro às 21 horas. De lá saíram às 6 horas da manhã do dia 7 de outubro.
No dia 23 desembarcaram na Barra do Rio Doce, já no Espírito Santo. Chegaram na capital, Vitória, às 9 horas do dia 31.
O primeiro município do Rio de janeiro onde aportaram, no dia 12 de novembro, foi Macaé. Depois, pararam novamente em Cabo Frio, no dia 20 ás 15 horas, onde permaneceram alguns dias.
No dia 28 de novembro atingiram Saquarema e a 29, Itaipu, onde chegaram após enfrentarem forte temporal fora da barra.
Ingressaram na Baía da Guanabara somente no dia 2 de dezembro, às 11h30min, após percorreram em linha reta mais de 1.100 milhas, o equivalente a aproximadamente 10.000 milhas, e serem atingidos por nove tempestades nos 98 dias de viagem.
As tempestades foram em: Barra de Camamu, Rio das Contas, Ilhéus, Prado, Viçosa, Rio Doce, Vitória, Macaé e Cabo Frio.
Ao desembarcarem no cais do Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro, o repórter do Rio-Jornal perguntou ao mestre Umbelino como tinha sido a longa viagem.
— “Foi boa, apesar do tempo estar danado. Mas tivemos sorte e, graças a Deus, chegamos aqui“, respondeu o experiente jangadeiro.
Na tarde do dia 8 de dezembro, os pescadores, acompanhados pela jangada transportada em um caminhão, foram levados pelo presidente da Confederação dos Pescadores do Brasil, Paulo Vianna, até o Palácio do Catete onde foram recebidos pelo presidente da República Arthur Bernardes.
Dois dias depois, no domingo 10 de dezembro, quando se comemorava o Dia do Pescador, o pavilhão de exposições das festas do Centenário no Rio de Janeiro promoveu um programa em homenagem aos quatro pescadores alagoanos que incluía uma palestra do também alagoano José Maria Goulart de Andrade, como anunciou o jornal A Noite de 9 de dezembro de 1922.
Para se ter uma dimensão do feito dos jangadeiros alagoanos, o referido jornal informou que “estará em exposição dentro do Pavilhão de Festas a jangada ‘Independência‘, que vem de fazer o mais extraordinário ‘raid‘ de quantos se fizeram para comemorar o Centenário”.
Após deixarem a jangada no Rio de Janeiro, que foi oferecida ao Museu Histórico Nacional, os jangadeiros voltaram a Maceió a bordo do vapor Santos, do Lloyd Brasileiro.
Já dentro da enseada de Jaraguá, às 8 horas da manhã do dia 21 de dezembro, foram recebidos por “flotilhas de jangadas floridas, de canoas embandeiradas — vindas das lagoas Mundaú e Manguaba — dos saveiros, de onde soltavam foguetes, — cujo espocar juntava-se ao som dos apitos das lanchas e dos navios surtos no porto — de lanchas repletas de famílias, de rebocadores levando lanchões com o pessoal da estiva que levantava seguidos vivas aos bravos nautas que retornavam”.
O desembarque se deu em um escaler da Escola de Aprendizes Marinheiros e, em terra, foram recebidos pelo comandante da referida Escola, pelo Secretário do Interior, na condição de representante do Governador do Estado, deputados e senadores estaduais e de outras autoridades.
Os jangadeiros estavam cobertos de flores e vestiam uniformes de reservistas da Marinha de Guerra, de cor azul ferrete, e exibiam as medalhas de ouro a eles concedidas pela colônia alagoana na Bahia.
Durante a noite, realizou-se uma passeata cívica, com banda de música à frente, que percorreu as ruas da cidade e a todo momento parava para que alguém usasse a palavra e saudasse entusiasmadamente o feito dos jangadeiros.
As homenagens continuaram com a construção de um monumento na Praia da Pajuçara, inaugurado no dia 11 de junho de 1923, e que hoje não mais existe. Outra homenagem foi proposta pelo deputado Costa Rego, que solicitou ao governador a cunhagem de sete medalhas de ouro na Casa da Moeda para lembrar o feito e homenagear os intrépidos jangadeiros.
As moedas em ouro maciço tinham o tamanho das de vinte réis da época e traziam em uma das faces os seguintes dizeres: “Aos heróis do mar, o governo de Alagoas“. No outro lado, uma pequena jangada e a inscrição: “Raid“, Maceió-Rio, 1922, Jangada “Independência”.
Além das quatro medalhas destinadas aos pescadores, as outras três foram entregues durante a festa de Bom Jesus dos Navegantes ao presidente da República, ao Instituto Histórico e Geográfico e ao governo de Alagoas.
O Diário de Pernambuco de 21 de julho de 1926 publicou uma nota que oferece pistas sobre o destinos de uma dessas medalhas ao informar que os servidores municipais, com o apoio do prefeito Moreira Lima, tinham aberto uma subscrição para ajudar ao jangadeiro Umbelino José dos Santos a reaver a sua premiação, que havia sido dada em penhor para a contratação de um empréstimo.
Nem o monumento e nem as medalhas sobreviveram como testemunhas do feito náutico, entretanto, duas outras homenagens permanecem: a Rua Jangadeiros Alagoanos, na Pajuçara, e a Escola de Samba Jangadeiros Alagoanos. Não se sabe a data em que a antiga Rua do Horizonte passou a homenagear os jangadeiros, mas no início dos anos 30 os jornais já citavam esta denominação. A Escola de Samba foi criada em 1972 por iniciativa dos pescadores da Colônia Z1.
Fontes: Efemérides Alagoanas, de Moacir Medeiros de Sant’ana; jornais A Noite, O Paiz e Jornal do Recife.
Extraido do site https://www.historiadealagoas.com.br
"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.