Maceió em Verso & Prosa

Fernão Velho

 

08/10/1997  

“VOU APANHAR
MEU SURURU,
SURURU, SURURU,
NA LAGOA MUNDAÚ”

Este verso de uma linda música sobre Alagoas, da década de 60, estaria bem ao feitio de Fernão Velho, que é banhado em quase toda a sua extensão por essa famosa lagoa, proporcionando um panorama encantador para os passageiros dos trens e ônibus que trafegam em sua orla e um espetáculo deslumbrante desse distrito, visto do alto, algo que eu gostava de admirar na hora do crepúsculo, no local onde hoje existe a Escola Padre Cabral.
A Lagoa Mundaú que há algum tempo vem sendo alvo de críticas quanto ao seu grau de poluição, sempre foi uma grande fonte de alimentos e empregos em atividades de economia informal para a maioria das populações que habitam nas suas margens, como é o caso de uma parte dos moradores desse distrito, onde está localizada uma grande indústria de tecidos, a Fábrica Carmen, do grupo Othon Bezerra de Mello, que ao longo de sua história, foi responsável pela manutenção de emprego, por mais de meio século, da maior parte das famílias que ali residiam, e que há poucos dias atrás estava fechada.
Tendo passado grande parte da minha infância e adolescência nessa localidade, dali saindo em 1969, foi com prazer e emoção que assisti à reportagem da TV GAZETA, no “Boa Tarde Alagoas”, na sexta-feira de 8 de agosto de 1997, sobre a reabertura dessa fábrica, sob nova direção empresarial, com emprego para muitas famílias locais.
Para agosto, considerado um mês de desgosto para os supersticiosos, a notícia foi excelente e bastante promissora para os habitantes desse lugar, onde no Alto do Santo Cruzeiro, a imagem de Jesus Cristo simboliza a fé católica da maioria da sua população e que, com certeza iluminará a nova administração dessa indústria, no sentido de promover o seu crescimento econômico, a fim de reviver o apogeu de outrora, quando centenas de famílias, inclusive a minha, numa época inglória, com pouco modernismo, eram felizes.
Naquela época, décadas de 50 e 60, Fernão Velho tinha muitos atrativos, sendo muito freqüentado em suas diversões. Recordo com saudade aquele tempo feliz em que as festas natalinas eram um primor de beleza e lazer. Os carnavais com bailes em clubes ou em blocos de rua, com marchas lindas e apaixonantes como “Jardineira”, “Aurora”, “É de Fazer Chorar” etc frevos envolventes como “Vassourinha”, “Último Dia”, e por aí afora.
As festas juninas daquele tempo eram bastante animadas, quer nos clubes, quer nos forrós numa ou noutra rua, ou em vilas afastadas do centro do distrito. As ruas se enchiam de fogueiras, com uma fumaceira densa e ardente, bombas espocando e o céu se iluminando com o clarão dos foguetes e chuvas de prata. As pessoas costumavam visitar as ruas para admirar e classificar as maiores fogueiras. A fogueira da casa do “seu” Campina, meu pai, por ser o gerente externo da fábrica, sempre ganhava de todas. Diziam que ele era o “manda chuva” do lugar, mas, na realidade, ele mandava brasa.
Naquele tempo, auge da indústria têxtil de Fernão Velho, o esporte recebia grande incentivo e apoio dos donos da fábrica. No meio da semana, à noite, jogo de basquete ou futsal lotava a única quadra de esportes do lugar, fazendo vibrar a imensa torcida presente. Aos domingos dominava o futebol com disputas empolgantes nos campos do Othon, no ABC, no do Centro Elétrico, time do saudoso Mané H e Anísio Rodrigues de Oliveira, fundadores desse clube, juntamente com um pessoal da seção elétrica da fábrica, ou no campo da Santa Amélia, chamado Moça Bonita, considerado o alçapão do Vasco da Gama, da Goiabeira, ou ainda no campo do Madureira, no Carrapato, hoje Rio Novo.
Também havia jogo no campo do 7 de Setembro, do Tabuleiro dos Martins. Nesses campos, também jogavam outros bons times, como o Fluminense, do Plácido José da Silva, o Flamengo, do Arestides e o Botafogo, fundado por mim e um colega, o Cid (uma ironia, uma vez que nós sempre fomos vascaínos), esse nosso time era comandado pelo Deca, irmão do Astor e do Dinho, todos gente boa, e, posteriormente, foi dirigido pelo saudoso Zé Silva, que foi um às do basquete alagoano.
Outra grande diversão era o cinema local, administrado pelo saudoso João H, numa época em que só havia bons filmes, como ”Matar ou Morrer”, com Gary Cooper, “Jesse James”, com Tyrone Power e Henry Fonda, etc, e seriados famosos como “Os Tambores de Fu Manchu”, “Bandoleiros do Vale de Fogo” etc. Após o cinema, nos fins de semana, os bailes na sede Othon eram bastante concorridos por gente local e de fora. Músicas adoráveis como “Perfídia”, “Siboney”, “Solamente Una Vez” etc dominavam o recinto.
Para o recolhimento espiritual católico, a Igreja de São José, sob o comando do padre Cabral, que também administrava a Educação com muita competência, mantinha uma programação com terços durante a semana e missa aos domingos. Nos dias de festas religiosas, as procissões eram acompanhadas pelos fiéis, com fé e entusiasmo, e eram sempre prestigiadas com o acompanhamento da banda Othon, sob a regência do maestro Veríssimo Ferreira.
Assim era Fernão Velho, nos áureos tempos da Fábrica Carmen, sob o comando de um dos donos, Dr. Alberto Brito Bezerra de Mello, que contava com uma equipe fabulosa de excelentes administradores, verdadeiros homens de ouro, como o Sr. Carlo Cucchi, Sr. Campina, Sr. Tancredo Antunes, Sr. Orlando Figueiredo Castelo Branco, Sr. Ernane Pereira Leite, Sr. José Lacet, Sr. José Brito, Sr. Carlos Araújo, Sr. José Alfredo, mestre Horácio Moura, mestre Paulo Silva, mestre Paulo Martins, Sr. Diniz Fireman de Araújo, Sr. Herisberto Coelho etc.
O setor jurídico contava com advogados de alto nível, como Dr. Ardel Jucá, Dr. Humberto Tavares, Dr. Manoel Jarbas Costa etc. O setor de saúde tinha grandes médicos, como Dr. Hélvio Auto, Dr. Manoel Machado, Dr. Diógenes Jucá Bernardes, Dr. Jorge Quintela, Dra. Vitória Pontes Miranda etc. Já o departamento odontológico contava com o Dr. Antônio Florentino. O departamento de engenharia contou com Dr. Joaquim Diegues e, posteriormente, o Dr. Alcides Braga.
Convém que se diga que a Saúde e a Educação em nível primário eram bancadas pela fábrica, assim como a urbanização do distrito.
De modo que, essa é uma parte da história de Fernão velho, numa de suas fases douradas, que talvez possa voltar com o novo grupo industrial que ora assume, que tem pela frente um grande desafio, que será ao mesmo tempo um estímulo para uma vitória brilhante. Quanto às diversões que marcaram o passado, talvez essas sejam de retorno mais difícil, uma vez que os sentimentos variam com as gerações, dependem da evolução do tempo, do modernismo, pois, como afirmara certa vez, o meu professor de Economia Política da Faculdade de Engenharia da UFAL, Dr. Beroaldo Maia Gomes, no seu discurso como paraninfo na colação de grau da nossa turma, há 30 anos passados, se referindo ao progresso: “Muda tudo, muda até a maneira de mudar”.

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Curiosidade

Treze vezes vencedor do prêmio Notáveis da Cultura Alagoana - Prêmio ESPIA.

"Uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma. E a alma das cidades é sua própria razão de ser. É sua poesia, é seu encanto, é seu acervo. Quem nasce, quem mora, quem adota uma cidade para viver, precisa de história, das referências, dos recantos da cidade, para manter sua própria identidade, para afirmar sua individualidade, para fixar sua municipalidade." Extraído do livro Maceió 180 anos de história 5 de dezembro de 1995.

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